A violência nem sempre é uma linguagem física. E saber identificar suas diferentes formas, denunciar e construir políticas públicas que garantam os direitos e cidadania de todos foi o tema do Fórum Interconselhos de Direitos de São Gonçalo, que aconteceu nesta quinta-feira (27), no auditório do Ministério Público. Organizado pela Secretaria de Políticas públicas para o Idoso, Mulher e Pessoa com Deficiência, o encontro teve como foco a violência institucional através do racismo, violência obstétrica e outros desdobramentos da violência contra a mulher.
Reconhecido internacionalmente e reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o termo “violência obstétrica” é uma realidade na vida de uma a cada quatro mulheres em todo Brasil, como constatou o estudo “Nascer no Brasil”, coordenado pela Fiocruz. A violência obstétrica caracteriza aquela exercida por qualquer ato dos profissionais da saúde nos processos reprodutivos da mulher, que possam interferir no domínio do seu corpo, demonstrado através de uma atenção desumanizada com abuso de utilização de ações intervencionistas e com alta medicalização.
“Muitas mulheres têm os seus partos roubados. O nosso grande desafio tem sido a validação da luta por aquilo que sempre pertenceu a elas: o parto é da mulher! Por mais que eu tenha estudado muito, eu nunca vou saber como é de fato um parto, essa experiência é de cada mulher. Então, como profissional da saúde, a prática da empatia é fundamental!”, afirmou o médico obstetra Philippe Godofrey, um dos palestrantes do evento.
Dentro dessa perspectiva, o diálogo também destacou a importância da perspectiva racial dentro dos números. Cerca de 60% das mulheres que morrem de morte materna são negras. É importante ressaltar que a morte materna é considerada uma morte prevenível e que em 90% dos casos poderia ser evitada se as mulheres tivessem atendimento adequado.
Nesse contexto, as assistentes sociais Silvia Carvalho e Ariana Santos apresentaram um mapeamento de fluxo de atendimento às mulheres em situação de violência institucional no Estado do Rio de Janeiro, organizado por movimentos sociais, pesquisadores e instituições que atuam no enfrentamento à violência.
“De acordo com o Data Favela de 2015, 12,3 milhões de pessoas moram em favelas no Brasil. Destas, 67% são pessoas negras, e 6 milhões são mulheres. O território periférico é negro, e o Estado ainda atua com a mentalidade colonizadora, como se essas pessoas fossem selvagens, não humanas. É a ideia de intervir nesse território para civilizar essa população. E tem o viés do racismo, mas a sociedade mascara. O problema da violência não é individual. É estrutural!”, afirmou Ariana Santos, assistente social, mestra em Políticas Públicas em Direitos Humanos e doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A assistente social e mestra em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Silvia Carvalho, pesquisa o mapeamento das organizações de luta e resistência de mulheres e mães vítimas da violência do Estado, em São Gonçalo. Para ela, há várias formas de resistir para além de sobreviver.
“Durante a minha pesquisa conheci a história de um jovem negro de 15 anos que foi baleado na rua onde morava, em um bairro periférico aqui de São Gonçalo. Ele foi alvejado pelas costas e levado pela polícia por associação ao tráfico. Ele foi levado sob custódia para o hospital onde ficou algemado e ninguém avisou aos pais dele, ainda que ele afirmasse que não fazia parte do tráfico e era aluno de jiu-jitsu de um projeto social. Um dos policias conhecia o professor do projeto, ligou para ele e então o professor confirmou a informação e avisou aos pais do menino. Ele já estava para ser transferido e internado no Degase. Essa é a realidade da grande maioria dos casos. Nossa sociedade é fundamentada a partir da barbárie e hierarquização racial!”, afirmou a pesquisadora exemplificando as inúmeras violações em decorrência da violência institucional.
Nordestina, cearense, Camila Oliveira, também se viu diante da violação institucional quando depois de seis anos sofrendo agressões físicas do marido tentou denunciá-lo.
“Sou branca, não moro em comunidade e reconheço os privilégios que tive para ter acesso à informação e fazer a denúncia. E ainda assim, chegando à delegacia, ouvi como resposta do delegado: “mas porque você vai fazer isso?. Você é casada, tem duas filhas e uma vida estruturada!”. Eu sofri agressões durante dois anos, na última vez levei nove facadas e o médico disse que eu não iria sobreviver. Mas eu estou aqui, eu sou uma sobrevivente!”, relatou.
Para a secretária de Políticas Públicas para o Idoso, Mulher e Pessoa com Deficiência, Marta Maria Figueiredo, a proposta do Fórum garante a articulação das redes de proteção e garantia de direitos na cidade.
“Poder reunir em um só lugar tantas pessoas que acreditam no trabalho da rede do serviço público como forma de enfrentamento a toda e qualquer opressão e violação de direitos, nos faz ter a certeza de que estamos no caminho certo como efetivadores da política pública!”, disse.
Autor: Thayná Valente
Foto: Divulgação
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